Do presente à partida: meu Celta

No dia 30 de dezembro de 2023, eu ganhei um Chevrolet Celta do meu pai. Ele comprou numa loja de carros usados, especialmente pra mim.

Na época, não tinha como eu comprar um carro com meus próprios ganhos, e isso doeu em mim. E eu me senti culpado, mesmo sabendo que não havia culpa em receber algo com afeto. Além disso, minha cabeça já estava cheia. Outras questões pessoais, inseguranças, cobranças internas. E num dia desses, distraído e com a mente longe, acabei batendo o carro. 

E aí tudo piorou. O Celta passou a dar problema atrás de problema. Cada novo problema era um lembrete do acidente. Cada gasto novo, um peso extra nas costas. E eu comecei a me sentir sobrecarregado por algo que, teoricamente, era pra ter sido uma alegria.

Um ano depois, eu e meu namorado conversamos sobre trocar de carro. Era pra ser um novo começo, mas eu bati o pé: não queria vender o Celta. Não por teimosia, mas por afeto. Combinamos então de comprar um segundo carro, financiado meio e meio entre mim e meu namorado. O carro escolhido foi um Ford Fiesta Sedan usado, e banquei pra mim mesmo a ideia de que eu conseguiria arcar com a minha parte do financiamento do Fiesta e com os custos das manutenções do Celta. 

Mas três meses depois, a realidade bateu: não consegui conciliar a minha parte do financiamento do novo carro e os consertos do antigo. O aperto financeiro me forçou a tomar uma decisão que eu tentei evitar a todo custo: tive de vender o Celta. E isso me doeu.

Eu me apeguei muito a ele. Participava (e ainda participo) de vários grupos no Facebook, pesquisava dicas, lia relatos. Fazia toda manutenção necessária, por mais simples ou complexa que fosse. Gastava o que fosse preciso pra manter ele bem, rodando, firme. Como se cuidar do carro fosse, de alguma forma, cuidar de mim também.

Porque, na verdade, cuidar do Celta era mais do que garantir que ele funcionasse. Era um jeito de tentar manter alguma ordem num momento em que eu sentia minha própria vida meio desgovernada.  Era um esforço silencioso para consertar aquilo que eu via quebrado dentro de mim, um lembrete diário de que, mesmo quando tudo parecia difícil, eu podia fazer algo dar certo.

Mas, apesar do cuidado e do esforço, chegou um ponto em que percebi que não dava mais pra manter tudo junto.

Talvez pareça fútil escrever sobre a partida de um carro que ganhei que presente, mas pra mim tem peso. Porque não foi só um carro que eu deixei pra trás: foi aceitar que, às vezes, até o que a gente mais cuida, mais ama, mais sente como parte de si… também precisa partir.

E cá estou, tentando me reorganizar por dentro, reprogramando a rota, enquanto a vida, sem pedir licença, continua acelerando.




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